segunda-feira, 2 de abril de 2012

Deves em quando um poeminha e otimo...

-Quero Lasanha
Carlos Drummond de Andrade
    - Quero lasanha.
    Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia - entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.
    O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.
    - Meu bem, venha cá.
    - Quero lasanha.
    - Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
    - Não, já escolhi. Lasanha.
    Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
    - Vou querer lasanha.
    - Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
    - Gosto, mas quero lasanha.
    - Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?
    - Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
    - Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?
    - Você come o camarão e eu como lasanha.
    O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:
    - Quero lasanha.
    O pai corrigiu:
    - Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
    A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interogações apenas se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:
    - Moço, tem lasanha?
    - Perfeitamente, senhorita.
    O pai, no contra-ataque:
    - O senhor providenciou a fritada?
    - Já sim, doutor.
    - De camarões bem grandes?
    - Daqueles legais, doutor.
    - Bem, então me vê um chinite, e para ela... O que é que você quer, meu anjo?
    - Uma lasanha.
    - Traz um suco de laranja para ela.
    Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para a surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
    - Estava uma coisa, hem? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado - Sábado que vem, a gente repete... Combinado?
    - Agora a lasanha, não é, papai?
    - Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer, mesmo?
    - Eu e você, tá?
    - Meu amor, eu...
    - Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.
    O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultrajovem.
 voltandoooo